Última atualização em 4 de novembro de 2019
No dia 20 de julho de 2017, o pintor Jeferson Domingues da Silva Azevedo afirmou à Polícia Civil de Paulínia ter sido uma das vítimas do esquema de venda irregular de casas que ficou conhecido como o “golpe das casinhas”. O depoimento do pintor aconteceu quase dois anos depois de o caso vir à tona, em 20 de outubro de 2015, quando a polícia ouviu Ednéia Ignácio, principal acusada do golpe, e dezenas de vítimas (entenda o caso, abaixo).
O Correio teve acesso ao depoimento de Azevedo . Ele contou à polícia que pagou R$ 8.500,00 por uma casa no Residencial Pazetti, através do esquema ilegal de venda. Afirmou ter participado de pelo menos duas reuniões sobre casas do residencial e, que teria “comprado” o imóvel em uma delas. Disse ainda, categoricamente, que o vereador Ademilson Jeferson Paes, o Tiguila Paes (Cidadania), Antonio Peterson Marcel Paes e Anderson Roberto Paes, irmãos do parlamentar, além de terem participado, um deles – o Anderson – comandou as reuniões. Segundo ele, a presença do vereador, acompanhando os irmãos, o fez “acreditar nos fatos” e fechar o negócio.
Declarou também que o pagamento de R$ 8.500,00 foi feito a Anderson, que não lhe deu qualquer documento (recibo ou contrato de compra e venda de imóvel) da transação. “Eles (o vereador e seus irmãos) informaram (nas supostas reuniões) que era algo que iria sair sem muito alarde e que seria feito para poucas pessoas, somente quem estava no esquema”, afirmou Azevedo , que alegou nunca ter recebido a casa e, nem conseguido falar mais com o vereador e seus irmãos, depois de ter fechado o suposto negócio com eles.
Ainda de acordo com o depoimento do pintor, a comercialização ilegal de unidades do Pazetti ocorreu em uma casa nas proximidades do comércio Filhos da Fruta, no Monte Alegre V, cujo endereço exato ele disse à polícia não se recordar. Aparentemente, Azevedo não foi perguntado sobre quem residia no imóvel onde as reuniões teriam ocorrido. Também, no inquérito que investigou o caso, não há registros de diligências para localizar a casa no Monte Alegre V e, principalmente, identificar seus moradores, que poderiam confirmar ou não as declarações prestadas pela vítima do golpe.
O pintor não informou em que datas aconteceram as reuniões para as quais, segundo ele, foi convidado por um amigo, cujo nome, também, declarou à polícia não se lembrar. O convite teria sido feito na Igreja Evangélica Pentecostal Assembléia de Deus Leão da Tribo de Judá, comandada pelo pastor Ricardo Mendes da Silva e da qual Azevedo é membro.
Segundo o pintor, ele esteve nas duas reuniões acompanhado do Pastor Ricardo, que também afirmou à polícia ter sido vítima do golpe atribuído ao vereador Tiguila e seus dois irmãos. O pastor foi ouvido na delegacia no mesmo dia (20/07/2017) em que Azevedo depôs – o Correio teve acesso, também, às declarações prestadas por Silva.
O líder evangélico declarou ter “comprado” uma casa no Pazetti por R$ 7.700,00, através do mesmo esquema ilegal de venda. Segundo ele, o “negócio” também foi fechado com Anderson Roberto Paes, que teria recebido o dinheiro, não fornecido qualquer documento e, muito menos entregue o imóvel.
Exceto os valores que pintor e pastor disseram ter desembolsado para “comprar” casas no Residencial Pazetti, o teor dos depoimentos prestados por eles é absolutamente igual. Além de apontar Anderson, irmão de Tiguila Paes, como o homem com quem teria negociado o imóvel, o pastor também afirmou que o vereador e seu outro irmão, Peterson Paes, participaram das reuniões no Monte Alegre V. Entretanto, assim como fez Azevedo , ele disse à polícia não lembrar-se do endereço exato dos fatos e, nem informou as datas em que os mesmos teriam supostamente ocorrido.
Crise de consciência
“Esse erro vem me consumindo e não poderia deixar de expor a verdade de algo que pode prejudicar pessoas que não devem”. Assim, Jeferson Domingues da Silva Azevedo finaliza uma carta de próprio punho, na qual confessa que mentiu à polícia, em julho de 2017, a pedido do pastor Ricardo Mendes da Silva, que, segundo o pintor, também teria mentido em depoimento. O crime de falso testemunho, inclusive em inquérito policial, está previsto no artigo 342 do Código Penal, com pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa.
Na carta, com sua assinatura reconhecida em cartório, ele afirma que há um tempo estava se sentindo mal pelo “ato” (falso testemunho) que confessa ter cometido e, por isso, decidiu abrir seu coração e desabafar com uma irmã de igreja. “A ela informei que havia mentido num processo policial, pois na época estava morando com o pastor Ricardo (Mendes da Silva) e essas informações mentirosas iriam prejudicar pessoas inocentes”, diz ele.
Ele conta que, antes de ir à polícia, foi com o Pastor Ricardo à Prefeitura de Paulínia e, lá, uma pessoa teria pedido para que eles fossem à delegacia prestar depoimento incriminando o vereador Tiguila Paes e seus dois irmãos no esquema ilegal de venda de casas. “Mesmo assim eu questionei o pastor Ricardo perguntando se mentir não seria errado e deixar claro que era errado mentir, mas ainda assim ele (o pastor) insistiu […] que era pra gente ir lá mesmo assim pra ajudar eles e como eu estava com ele (o pastor), tive que ajudar dando a minha declaração mesmo sendo mentirosa”.
Segundo Azevedo , ele e o pastor já estavam sendo aguardados na delegacia. “Aí (na delegacia) falei nós fomos a uma reunião numa casa no Pazetti e tal (em depoimento, o pintor disse que as reuniões teriam ocorrido numa casa no Monte Alegre V), eu só confirmei o que eles falaram, o pastor me pediu para falar eu falei. Me recordo de que foi mandado falar que (a reunião) foi na casa de um tal Peterson e Anderson lá do Pazetti (o Correio apurou que os irmãos Paes nunca moraram no Residencial Pazetti) e que eles tinham pedido uma entrada de dinheiro aí nós demos o dinheiro e perdemos o dinheiro. Esse dinheiro seria para comprar uma casa lá no bairro (Residencial Pazetti) e foi montado como nós tivéssemos dado entrada e que perdemos, mas na verdade isso nunca aconteceu, eu nem participei de nada, fui no embalo deles”.
Antes de encerrar a carta com o trecho reproduzido no início deste tópico da matéria, Azevedo dá mais detalhes do que ele próprio afirma ter sido “montado” para prejudicar Tiguila, Peterson e Anderson Paes . “Aí o pastor Ricardo deu a declaração dele e eu só acompanhei a versão dele. O pastor falou que deu eu acho uns sete mil, um negócio assim (Ricardo Mendes da Silva declarou ter desembolsado R$ 7.700,00) e eu falei que dei uns dois ou três mil, não lembro (ele disse à polícia ter dado R$ 8.500,00). Eu não estava muito por dentro do que estava acontecendo, fui meio de laranja, lembro que tavam tentando derrubar o Tiguila, era o rapaz da prefeitura que pediu pra gente e aí eles pediram testemunhas eu fui de “gaiato”, como eu estava com eles, só lembro que ele (o pastor) vamos lá…aí você só acompanha o que eu falar”.
Os depoimentos de Azevedo e do pastor evangélico contribuíram com a denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP) contra o vereador Tiguila Paes, os irmãos deles, Peterson e Anderson, acusados de organização criminosa e estelionato, juntamente com outros quinze denunciados pelos mesmos crimes. Recentemente, a Justiça bloqueou os bens do vereador.
A denúncia foi recebida pelo juiz Carlos Eduardo Mendes, da 1ª Vara Criminal de Paulínia, e o processo corre em segredo de justiça porque os denunciados tiveram seus sigilos bancários quebrados. Por duas vezes, o MP pediu a prisão preventiva do vereador e dos outros acusados, mas a Justiça negou. O vereador e seus irmãos sempre negaram e repudiaram as acusações.
O Caso
Em fevereiro de 2015, o Correio Paulinense publicou com exclusividade que um grupo de pessoas estava utilizando uma casa no bairro Bom Retiro como “ponto de venda” de casas do 3º módulo do Residencial Pazetti, no bairro Saltinho (LEIA MATÉRIA COMPLETA). Foi a primeira vez que o famoso “golpe das casinhas” veio a público.
A fonte que nos enviou a denúncia, após participar de uma das reuniões do grupo, afirmou que Everson Alves Vieira e Edineia Ignácio estavam cobrando R$ 3.500,00 de entrada pelos imóveis e, que muita gente estava caindo no golpe. O Correio , então, informou o caso à polícia, que abriu inquérito para investigar.
Em 20 de outubro de 2015, Edneia e mais de uma dezena de vítimas do golpe foram ouvidas pelo então delegado titular de Paulínia, Marco Evangelista. Na ocasião, a polícia apreendeu dois celulares que estavam com Edneia. Segundo as vítimas, naquele dia, elas foram até a casa de Edneia, no bairro Matão (Sumaré), tentar recuperar os valores que haviam desembolsado pelas casas que nunca receberam. Como a mulher não devolveu o dinheiro, elas resolveram chamar a polícia e todos foram levados à delegacia (LEIA MATÉRIA COMPLETA).
Ainda naquele dia, nossa reportagem conversou com Edneia Ignácio e algumas das vítimas do golpe. Ela declarou que em um ano “vendeu” 180 casas e que cada comprador pagou R$ 3.500,00 de entrada. Segundo a mulher, o golpe lhe rendeu uma comissão de R$ 270 mil (R$ 1.500,00, por imóvel negociado) e, que o restante do total (R$ 630 mil) arrecadado ela repassou para um homem chamado Jackson de Oliveira, até hoje não identificado pela polícia.
No dia 27 de outubro, Edneia e outra acusada de participação no golpe foram presas temporariamente. Um funcionário da Prefeitura de Paulínia também chegou a ser levado preso para a delegacia, após Edneia reconhecê-lo, por foto, como sendo um dos integrantes do bando. Porém, ao ficar frente a frente com o servidor municipal, a mulher disse ter se confundido e, que ele não participou do esquema. O servidor, então, foi liberado (LEIA MATÉRIA COMPLETA)
No primeiro depoimento à polícia, dia 20 de outubro, Edneia Ignácio não mencionou qualquer tipo de envolvimento do vereador Tiguila Paes e, nem de seus irmãos, Anderson e Peterson Paes, no caso. Da mesma forma, todas as vítimas ouvidas naquela ocasião. No entanto, dias depois o nome do parlamentar surgiu, pela primeira vez, no inquérito, quando Edneia afirmou que Jackson de Oliveira, apontado por ela como um dos golpistas e para quem repassou parte do dinheiro das vítimas, trabalhava no gabinete do parlamentar.
À época, o vereador desmentiu que tivesse em sua assessoria uma pessoa chamada Jackson de Oliveira e, garantiu não saber de quem se tratava. Nos registros da Câmara Municipal também não foi encontrada nenhuma portaria de nomeação em nome de Jackson de Oliveira. Um dia após a prisão de Edneia, o delegado Marco Evangelista deu a seguinte declaração para o Correio. “O vereador Tiguila não vendeu nenhuma casa e Edneia disse em depoimento que nunca teve contato com ele” (LEIA A MATÉRIA COMPLETA).
Já Anderson Roberto Paes, irmão do vereador, foi apontado por Edneia como sendo o Anderson Ferraz, a pessoa que no primeiro depoimento ela apontou como um de seus comparsas. Segundo a polícia, Edneia reconheceu o irmão do vereador, também, por meio de fotografia. Caminhoneiro de profissão, além de negar qualquer participação no caso, ele apresentou vários documentos de viagens feitas durante o período em que os fatos ocorreram.
Outro lado
Procurado pelo Correio, o vereador Tiguila Paes (Cidadania) limitou-se a dizer que “muitas outras verdades sobre esse caso virão à tona” e, que “vou provar a minha inocência e a dos meus irmãos”.
Na sexta-feira (1), após analisar o conteúdo da carta escrita por Azevedo, o Correio procurou o pintor e também o pastor Ricardo Mendes da Silva. Azevedo atendeu nossa ligação, mas desligou o telefone, assim que falamos o assunto que queríamos tratar. Voltamos a ligar para ele, mas a ligação caiu direto na caixa postal, onde deixamos recado. O pintor ainda visualizou, mas não respondeu até o momento, a mensagem que enviamos pelo aplicativo WhatsApp, antes de falarmos com ele por telefone.
Além de visualizar e não responder nossa mensagem pelo WhatsApp, o Pastor Ricardo também não retornou nossas ligações, uma delas com recado deixado na caixa postal. Caso as respostas sejam enviadas, o texto será atualizado.
Polícia Civil
O Correio encaminhou uma cópia da carta escrita pelo pintor Jeferson Domingues da Silva Azevedo para o delegado titular de Paulínia, Rodrigo Luiz Galazzo, com pedido de posicionamento da Polícia Civil.
“Se ele realmente mentiu nesse sentido, o que vai acontecer se for comprovado judicialmente durante o processo que aconteceu isso, provavelmente o Ministério Público e o Poder Judiciário vão requisitar a instauração de um inquérito policial por falso testemunho, porque ele deu um depoimento oficial, num órgão público, na Polícia Civil acerca dos fatos”.
“Se ele realmente mentiu nesse sentido, o que vai acontecer se for comprovado judicialmente durante o processo que aconteceu isso, provavelmente o Ministério Público e o Poder Judiciário vão requisitar a instauração de um inquérito policial por falso testemunho, porque ele deu um depoimento oficial, num órgão público, na Polícia Civil acerca dos fatos”.
Sobre a possibilidade de o pastor Ricardo da Silva Mendes também ter prestado falso testemunho, como afirma Azevedo na carta, Galazzo disse que “se isso também ocorreu, muito provavelmente será feita uma acareação entre eles”.
Errata: A igreja comandada pelo pastor Ricardo Mendes da Silva é a Igreja Evangélica Pentecostal Assembléia de Deus Leão da Tribo de Judá, e não a Igreja da Graça A informação já foi corrigida no texto.
Fotos: Reprodução
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