Meritíssimo Juiz:
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por LUIS ROBERTO DE LIMA, contra ato do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PAULÍNIA, EDNILSON CAZELLATO.
Aduziu no writ que “propôs denúncia por crime de responsabilidade – quebra de decoro – requerimento de instauração de Comissão Processante com fulcro no Decreto Lei 201/67”(sic) contra o atual prefeito de Paulínia e contra treze vereadores que nomina, dentre eles a autoridade impetrada. Isto porque afirma que os edis mencionados acobertaram atos criminosos e ímprobos do alcaide em troca de vantagens indevidas, quais sejam, a nomeação de seus cabos eleitorais para cargos públicos na Prefeitura de Paulínia1 , o que ensejaria violação ao art. 277, I, ‘b’, do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Paulínia e seria causa para perda do mandato, nos termos do art. 278, incisos I e II do mesmo diploma legal, além de constituir causa para cassação de mandato, nos termos do art. 7º., I, do Decreto Lei nº. 201/67. Assim agindo, o impetrante afirma que o alcaide conseguiu impedir que a Câmara de Paulínia instaurasse duas CPI’s contra ele, tudo mediante tratativas imorais que envolveram a Secretária Municipal Fernanda Alves da Silva, o que pode ser comprovado por conversas de whatsapp mantidas com os vereadores JOSÉ COCO e FLÁVIA (replicadas às fls. 17). Sustenta que os treze vereadores mencionados em sua denúncia, dentre estes a autoridade impetrada, estavam impedidos de participar dos trabalhos da CPI, em consonância com o CPC e ataca o parecer emitido pela Procuradoria de Câmara de Paulínia. Ao final, pleiteia a concessão das seguintes ordens: ? Anulação da sessão legislativa de 29/08/2017, presidida pela autoridade coatora, pois entende que a decisão foi tomada a partir dos votos de vereadores impedidos e contraria o DL 201/67;
? Convocação dos suplentes para participarem de sessão extraordinária a fim de deliberarem sobre a admissibilidade da denúncia. A inicial veio instruída pelos documentos de fls. 36/369. Indeferido os pedidos liminares (fls. 379) a autoridade impetrada foi notificada às fls. 425/427 e apresentou as informações de fls. 430/453, que veio instruída pelos documentos de fls. 454/611. Por seu turno, a Câmara Municipal de Paulínia peticionou às fls. 384/401 para pleitear a denegação da segurança. Eis a síntese do necessário. Manifesto-me pela concessão da ordem. Justifico. Analisando atentamente os pedidos, apesar da narrativa difícil, verifico que não é objeto deste mandamus apreciar a presença ou a ausência de provas acerca da suposta venda de votos por treze dos quinze vereadores municipais ao prefeito Dixon. Deveras. O cerne da questão é outro: Vossa Excelência deverá decidir se parlamentares investigados podem presidir e podem votar em denúncias contra eles deduzidas. E mais: deverá decidir se a votação que teve a participação direta dos próprios parlamentares investigados, que não foram afastados e nem se deram por impedidos, é ou não nula.
Terá que verificar, por fim, se o impetrante denunciante tem o direito líquido e certo de ver os parlamentares que acusou afastados do julgamento do processo de cassação. Portanto, o parecer que agora se emite, não tem o condão de afirmar ou negar a prática de ato improbo e/ou criminoso pelos edis mencionados, eis que indubitavelmente esta questão não integra o pedido do impetrante. Pois bem. O Constitucionalismo, movimento social, político e jurídico que visa controlar o poder do Estado por meio de uma Constituição foi superado após a segunda guerra mundial e em seu lugar surgiu o Neoconstitucionalismo. Isso porque, os regimes ditatoriais mais arbitrários utilizaram do positivismo jurídico para conseguir decisões judiciais utilizando-se apenas do texto legal. Foi assim, por exemplo, que os nazistas realizaram esterilizações em massa. Com o final da segunda guerra mundial percebeu-se, então, que a utilização do positivismo puro nas decisões judiciais pode chancelar qualquer coisa, inclusive a barbárie. Isto porque a norma é incapaz de prever todas as situações. Neste cenário surgiu o Neoconstitucionalismo, movimento que garante, promove e preserva os direitos fundamentais do homem e que tem como marco teórico, o reconhecimento da força normativa da Constituição, matéria que evidentemente interessa a este feito, como se verá. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 determina que a Administração Pública, em geral, DEVE se pautar por diversos princípios, dentre eles estão os princípios da moralidade e o princípio da impessoalidade (cf. art. 37, caput). Estes dois princípios são trazidos à lume porque no presente writ é preciso verificar se a participação de parlamentares em votação na qual são apreciadas denúncias contra eles deduzidas respeita os postulados da moralidade e da impessoalidade. Não é necessário grande esforço mental para dar resposta negativa à questão colocada. É cediço que moralidade administrativa é o respeito à boa-fé, à lealdade e à probidade. Logo, como afirmar que não afronta à lealdade a possibilidade do “autojulgamento”? Como dizer que há moralidade na conduta de vereadores que irão votar e, respectivamente julgar seus próprios atos? Qualquer pessoa desinteressada e isenta rotulará tal situação como imoral e vergonhosa.
Por seu turno, a impessoalidade traduz a ideia que a Administração não pode atuar visando prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, devendo nortear-se sempre pelo interesse público. Ora como afirmar que o “autojulgamento” respeita a tal postulado, se a possiblidade de que o próprio investigado rejeite o início de investigações contra eles processadas importa em concessão de benefício próprio? Novamente o cidadão isento que não está nem deste e nem daquele lado da mesa enxergará nessa situação a concretização de privilégios indevidos, porque apenas no Poder Legislativo é que o parlamentar investigado participa de seu próprio julgamento na condição análoga a de um ‘juiz’. Portanto, a nosso ver, se o Regimento Interno da Câmara de Paulínia possibilitasse textualmente a aberração de que parlamentares investigados pudessem presidir e até votar em denúncias contra eles deduzidas, tais normas seriam ilegais por afronta à Constituição Federal que não previu NENHUMA exceção à observância dos princípios da moralidade e da impessoalidade no seio da Administração Pública. Vale dizer: os princípios constitucionais não podem ser afastados, sob justificativa alguma. Não há exceção à incidência deles. No caso verificado nos autos, percebe-se que a norma regimental nada fala sobre o tema.
Registro, por oportuno, que ao tratar da “Destituição da Mesa” em seu art. 37, o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Paulínia apenas prescreve que: Art. 37. Recebida a denúncia, serão sorteados três Vereadores dentre os desimpedidos, para compor a Comissão Processante. § 1º. Da Comissão não poderão fazer parte o denunciante e o denunciado ou denunciados. Portanto, percebe-se que ao tratar da “Destituição da Mesa” o Regimento Interno da Câmara de Paulínia respeitou aos postulados supramencionado, pois nem quem denuncia ou acusa pode nela figurar e muito menos quem é denunciado ou acusado. Não se desconhece que a Lei Federal 9.304/97 revogou o parágrafo segundo do art. 7º., do Decreto-Lei 201/67 que previa a possibilidade de afastamento do vereador acusado, apenas quando houvesse o recebimento da denúncia pela maioria absoluta dos membros da Câmara. Manteve, por outro lado, o art. 7º., §1º, do Decreto-Lei 201/67, que prescreve: “§ 1º O processo de cassação de mandato de Vereador é, no que couber, o estabelecido no art. 5º deste decreto-lei.”
Assim, o vereador submete-se, no que couber, ao mesmo procedimento estabelecido para cassação de Prefeito por infrações político-administrativas. Dispõe o art. 5º., do Decreto Lei 201/67: Art. 5º O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo: I – A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante. II – De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator.
III – Recebendo o processo, o Presidente da Comissão iniciará os trabalhos, dentro em cinco dias, notificando o denunciado, com a remessa de cópia da denúncia e documentos que a instruírem, para que, no prazo de dez dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as provas que pretender produzir e arrole testemunhas, até o máximo de dez. Se estiver ausente do Município, a notificação far-se-á por edital, publicado duas vezes, no órgão oficial, com intervalo de três dias, pelo menos, contado o prazo da primeira publicação. Decorrido o prazo de defesa, a Comissão processante emitirá parecer dentro em cinco dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia, o qual, neste caso, será submetido ao Plenário. Se a Comissão opinar pelo prosseguimento, o Presidente designará desde logo, o início da instrução, e determinará os atos, diligências e audiências que se fizerem necessários, para o depoimento do denunciado e inquirição das testemunhas. IV – O denunciado deverá ser intimado de todos os atos do processo, pessoalmente, ou na pessoa de seu procurador, com a antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas, sendo lhe permitido assistir as diligências e audiências, bem como formular perguntas e reperguntas às testemunhas e requerer o que for de interesse da defesa. V – concluída a instrução, será aberta vista do processo ao denunciado, para razões escritas, no prazo de 5 (cinco) dias, e, após, a Comissão processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Na sessão de julgamento, serão lidas as peças requeridas por qualquer dos Vereadores e pelos denunciados, e, a seguir, os que desejarem poderão manifestar-se verbalmente, pelo tempo máximo de 15 (quinze) minutos cada um, e, ao final, o denunciado, ou seu procurador, terá o prazo máximo de 2 (duas) horas para produzir sua defesa oral; (Redação dada pela Lei nº 11.966, de 2009). VI – Concluída a defesa, proceder-se-á a tantas votações nominais, quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Considerar-se-á afastado, definitivamente, do cargo, o denunciado que for declarado pelo voto de dois terços, pelo menos, dos membros da Câmara, em curso de qualquer das infrações especificadas na denúncia. Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará imediatamente o resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada infração, e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de Prefeito. Se o resultado da votação for absolutório, o Presidente determinará o arquivamento do processo. Em qualquer dos casos, o Presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o resultado. VII – O processo, a que se refere este artigo, deverá estar concluído dentro em noventa dias, contados da data em que se efetivar a notificação do acusado. Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos fatos. Evidente que a aplicação do art. 5º., do Decreto Lei 201/67 importa afirmar que no processo de cassação de edis, se o denunciante for vereador ele não poderá participar da Comissão Processante. Por simetria, também não pode participar da Comissão Processante o parlamentar acusado. Evidentemente o dispositivo calou-se a respeito do afastamento do investigado por pura questão de lógica, já que o artigo prescreve normas a serem seguidas no caso de cassação do mandato de prefeito, que é julgado pelos vereadores. Portanto, o art. Trata da situação do prefeito que jamais vota em seu próprio processo. Trazendo esta situação aos autos, constata-se que a autoridade impetrada não poderia ter figurado na mesa de votações, a votação é patentemente nula. Por observância aos princípios da moralidade e da impessoalidade investigados não poderiam votar em benefício próprio. Melhor saída, embora imperfeita, é a convocação dos suplentes, nos termos do art. 18, §1º., da Lei Orgânica de Paulínia que determina:
“§ 1º O suplente deve, imediatamente, ser convocado em todos os casos de vaga ou licença.” Assim, o denunciante, seja ele vereador ou não, tem o direito líquido e certo a deflagrar um procedimento investigatório em que haja respeito aos princípios constitucionais e legais, o qual requer que o afastamento dos edis acusados, os quais, evidentemente, têm o direito ao contraditório e à ampla defesa, motivo pelo qual, opino pela concessão da ordem, na forma pleiteada. Por fim, considerando ante o teor de documentos que integram os autos e a possibilidade de cometimento de crime de responsabilidade pelo alcaide, requeiro que após a prolação de sentença seja determinada a remessa de cópia integral do presente feito à Procurador-Geral de Justiça, para conhecimento e adoção de providências que julgar pertinentes.
Paulínia, 08 de janeiro de 2018.
VERONICA SILVA DE OLIVEIRA 2ª. Promotora de Justiça de Paulínia